Pequenos Acidentes Domésticos

Imagina que estás em casa. Tens trabalho para fazer. Não te apetece porque está bom tempo. Pensas que te safas se te ausentares umas horinhas para aproveitar o sol. Desligas o computador e preparas-te para sair.

A partir do momento em que decides que vais deixar para amanhã o que tinhas para fazer agora, começa uma rapsódia de pequenos acidentes domésticos: tropeças no cabo de alimentação do computador, aterras em cima de um copo que se parte. Como estás descalça, espetas um vidro mínimo na sola do pé. Corres para a casa-de-banho para retirar o malvado caco. Calculas mal a distância e dás uma valente cabeçada na ombreira da porta. Meio zonza, a sangrar do pé e irritada ligas o interruptor. Nesse instante a lâmpada funde-se e ficas às escuras, entornando o Betadine para cima das calças que ias levar ao passeio. Agora o telemóvel toca. A pingar sangue e Betadine, procuras sofregamente o telemóvel dentro da mala e é nessa altura que partes uma unha. Mal empregue dinheiro gasto na manicure nessa mesma manhã! Atendes o telemóvel para descobrir que se trata de uma lenga-lenga de promoção a cartões de fins-de-semana nas pousadas de Portugal que custam menos 50%, mas que, com os teus rendimentos recentes, esses 50% equivalem ao valor que gastas por mês em comida, água e luz! Explicas à insistente senhora que aquela é uma altura pouco conveniente para ligar e que a melhor ocasião será lá para 2043, quando estiveres a viver da Segurança Social. Desligas a chamada e deixas cair o telemóvel no lavatório - sim, porque enquanto despachavas a senhora tiraste o caco do pé, despiste as calças e habituaste os teus olhos à escuradão da casa-de-banho. O telemóvel morre ali mesmo à tua frente, num banho misto de água e Betadine.

Olhas-te no espelho. Estás, corada, despenteada e de cuecas. Suspiras e voltas para o trabalho. Assim não corres riscos desnecessários.

Moral da história: não é o trabalho que escraviza; é o karma!